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A interminável crise política pode adiar a retomada econômica

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03/01/2017

A convulsão política interminável no Brasil fez crescer o temor de que a ansiada retomada da economia não se concretize em 2017, ou seja aquém da esperada. Segundo economistas ouvidos pelo EL PAÍS, as investigações em curso derivadas da LavaJato  têm potencial para desestabilizar o Governo de Michel Temer e podem comprometer a habilidade do presidente promover novas reformas econômicas consideradas essenciais para o país, como a da Previdência e a trabalhista. Assim, mesmo com a troca de poder no Executivo, a crise instaurada em Brasília foi às alturas sob a luz das investigações sobre corrupção. O imbróglio político torna-se, assim, o maior entrave para tirar o país do atoleiro em que se encontra, segundo os especialistas.

Com um amplo horizonte de dificuldades, as estimativas de crescimento neste ano são bastante modestas. As estimativas das instituições financeiras sobre a atividade econômica brasileira também não são animadoras. O mercado financeiro projeta que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil feche 2016 com uma queda de 3,49% e calcula, para o ano que vem, um crescimento lento de 0,5%, segundo o último boletim Focus - o levantamento que escuta centenas de economistas de instituições financeiras.

"Estamos vendo o presidente sangrar com a crise ao redor dele. Há um temor muito grande em relação à delação da Odebrecht e o quanto ela pode atingir em peso o Governo Temer e afetar seu capital político", explica Sérgio Valle, economista-chefe da consultoria MB Associados. Para ele, com o ambiente rodeado de turbulências, é provável que Temer enfrente dificuldades em aprovar a impopular reforma da Previdência, considerada imprescindível para garantir o equilíbrio nas contas públicas brasileiras.

A possível decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2017, sobre a possibilidade de cassação da chapa Dilma-Temer apontam um futuro imprevisível no próximo ano. As investigações se iniciaram com uma ação do PSDB, que suspeitava que a campanha eleitoral daquele ano tivesse sido financiada com recursos públicos desviados – algo que tanto a ex-presidenta quanto o atual chefe do Executivo negam. "Se a chapa for cassada e Temer sair da Presidência, haverá uma forte instabilidade, o que atrasaria ainda mais a retomada econômica e afugentaria os investimentos. Seria algo muito turbulento", opina Valle.

É certo que há alguns sinais positivos no cenário, como a tendência de baixa dos juros nos próximos meses, depois que a inflação cedeu, uma vez que a recessão colaborou para a queda de preços. Além disso, há uma expectativa positiva de um ano próspero par ao setor agrícola, com uma esperada supersafra. Uma alta de matérias-primas pode contribuir para uma melhoria no âmbito internacional.  A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) projeta um aumento de 7,2% das exportações brasileiras em relação a 2016. Já as importações devem avançar 5,2% frente aos números registrados neste ano.

Até a chegada do controverso presidente americano  Donald Trump à Casa Braca poderia trazer surpresas. Num momento em que ele assume uma postura provocativa com a China, o xadrez do comércio internacional poderia ganhar novos lances e beneficiar, indiretamente o Brasil. “Somos concorrentes dos EUA em alguns produtos agrícolas que poderíamos importar para a China, por exemplo", explica.

Mas nada de concreto que assegure um futuro alentador para um governo frágil, sujeito até mesmo a ser cassado. O processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que investiga as contas de campanha presidencial de 2014, pode ser definido em 2017, coloca uma espada na cabeça de Temer. Se houver comprovação de fraude, o TSE poderia pedir a cassação da chapa vencedora das eleições (Dilma-Temer), o que aponta um futuro imprevisível no próximo ano. As investigações se iniciaram com uma ação do PSDB, que suspeitava que a campanha eleitoral daquele ano tivesse sido financiada com recursos públicos desviados. "Se a chapa for cassada e Temer sair da Presidência, haverá uma forte instabilidade, o que atrasaria ainda mais a retomada econômica e afugentaria os investimentos ”, opina Valle.

Para além da sombra da cassação, Temer é a vidraça em meio a uma colheita ruim de dados econômicos derivados da recessão, como o desemprego que penaliza 12,1 milhões de brasileiros – 1,9 milhão deles perderam seus empregos nos últimos 12 meses – e que deve piorar no ano que vem. É ainda o mandatário que aplica remédios amargos garantindo que é o único caminho para reverter o mau agouro. Depois de empenhar-se em aprovar um ajuste fiscal que estabeleceu um teto de gastos por 20 anos, ele trabalha para a reforma da Previdência no próximo ano que afeta diretamente os mais vulneráveis. Assim, sua popularidade, que já é baixa – 8% de aprovação – fica ainda mais comprometida com essa coquetel de más notícias.

Ciente do tamanho da encrenca que precisa administrar, Temer decidiu anunciar na semana do Natal um pacote de medidas para tentar reagir ao cenário pessimista: antecipou a liberação dos saques do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), prometeu a redução dos juros de cartão de crédito e repaginou um programa de manutenção de emprego herdado de Dilma Rousseff.

Para o economista Nelson Marconi as medidas anunciadas são uma resposta ao cenário político deteriorado. “A economia continua patinando e o apoio político está diminuindo. Ele apresenta propostas paliativas, não são de estímulo real à demanda", explica. “O que a economia brasileira precisa é retomar o investimento público. Ao investir, o Governo demande produtos, serviços, contrata mais pessoas e estimula a economia”, explica Marconi.

Silvia Matos, pesquisadora da área de Economia da FGV, observa que parte do inferno astral que o país vive veio de um excesso de otimismo de que haveria uma melhora com o impeachment de Dilma que não se concretizou. “Ficou parecendo que tudo estaria resolvido para a retomada da atividade econômica, mas estamos passando por uma recessão severa, que necessita reformas estruturais muito radicais”, explica.

Os desafios de retomar o crescimento do país não estão concentrados apenas no ano que começa, mas também no cenário político de 2018. Entre os especialistas escutados pela reportagem, há um consenso de que a estabilidade econômica só deverá voltar de forma definitiva caso haja uma eleição presidencial razoável daqui a dois anos. "Dada essa turbulência que estamos vendo nos últimos anos, a chance de você ter um cenário político bem atípico, com muitos nomes, com muitas incertezas está crescendo. Aí a chance de alguém, um salvador da pátria ganhar, e continuar com a instabilidade aumenta", explica o economista Sérgio Valle.

A economista-chefe da corretora XP Investimentos, Zeina Latif, também concorda que há risco das eleições de 2018 serem tumultuadas com candidatos com agendas que não são de continuidade do ajuste fiscal, comprometendo ainda mais a retomada do crescimento. Por isso, para a economista, o curto prazo e o 2017 serão fundamentais para a qualidade da política em médio e longo prazo. Em um cenário benigno, Lafit acredita que uma inflexão da atividade econômica pode ocorrer no último trimestre do próximo ano. "No entanto, até lá, ainda há muito em jogo", afirma.

El País

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