O mercado de energia elétrica é complexo e diferente dependendo do país em que se esteja. No caso do Brasil e da Austrália as diferenças são muitas. Uma delas, segundo Flávio Menezes, professor de Economia e chefe da Escola de Economia da Universidade de Queensland, na Austrália, e especializado em desenho de mercado, regulação econômica e competição, é a existência ou não de uma regulação do preço final ao consumidor.
No Brasil, assim como em diversos outros países, a remuneração das empresas de transmissão e distribuição é determinada por um regulador, que tem como objetivo promover o interesse dos consumidores no longo prazo e, por isso, estimular investimentos eficientes nas redes de eletricidade. Outro modelo, são os de países como o Reino Unido e a Austrália que eliminaram totalmente a regulação do preço final ao consumidor. Nesse caso, explica Menezes, as empresas concorrem por consumidores finais e compram energia no mercado atacadista, pagando as tarifas de distribuição e transmissão que são estabelecidas pelo órgão regulador. Ele conta que a concorrência entre as empresas foi suficiente para eliminar a regulação.
Longe de querer dizer qual o melhor modelo para o Brasil, o especialista faz uma análise do modelo de mercado brasileiro e o compara com o da Austrália. Leia abaixo a entrevista exclusiva que Flávio Menezes, que também é vice-presidente da Sociedade de Economia da Austrália, concedeu àAgência CanalEnergia.
Agência CanalEnergia - Que diferenças existem entre o modelo de mercado brasileiro e o australiano?
Flávio Menezes - Países diferentes fizeram escolhas diferentes para o desenho de mercado de eletricidade. A Austrália e o Reino Unido, por exemplo, optaram pela utilização de mercados, que tanto no atacado como no varejo, são capazes de promover resultados consistentes com o que ocorreria em mercados competitivos. Houve uma preocupação também, extensiva a outros mercados, de assegurar que empresas que permanecessem nas mãos do governo fossem gerenciadas, na prática, como empresas privadas, que objetivam maximizar os retornos para os acionistas (no caso o próprio governo). Buscava-se isonomia de tratamento para incentivar a participação privada. Além disso, introduziu-se um arcabouço regulatório robusto, onde reguladores são independentes do governo.
O Brasil escolheu um caminho diferente, com uma certa desconfiança de mercado, e menos independência tanto dos reguladores como das empresas governamentais que atuam no setor. Isso resulta em distorções que afetam negativamente decisões de investimento no setor com consequências no longo prazo. Os mecanismos de contratação de eletricidade, se de um lado incentivam a expansão da oferta, de outro não motivam os distribuidores a adotar decisões coerentes com uma contratação eficiente. Como resultado, os consumidores acabam enfrentando tarifas e preços mais elevados.
Agência CanalEnergia - Qual seria o melhor desenho do mercado de energia elétrica para o Brasil?
Flávio Menezes - A questão principal não é necessariamente determinar qual o melhor desenho de mercado de energia elétrica no Brasil, mas sim como facilitar a conversão do modelo existente, altamente centralizador, num modelo onde os diversos agentes tenham um papel mais ativo na determinação de preços. A ideia básica é se utilizar de mecanismos de incentivos na regulação da transmissão e distribuição e regras de mercado no atacado e varejo que promovam resultados mais competitivos. Isso é importante pois preços no atacado e varejo tem um papel essencial na sinalização de investimentos e nas decisões dos consumidores. Esses sinais são importantes num contexto onde a energia solar e eólica vão ter mais participação na matriz energética brasileira, que deverá também contar com mais gás natural, pois os aproveitamentos hídricos de porte tendem a perder participação relativa, o que é evidenciado pela menor capacidade de armazenamento como proporção do total no sistema elétrico brasileiro. Mecanismos de incentivos adequados na distribuição e transmissão são essenciais para atingir objetivos ligados à eficiência energética, a conexão de energia solar e eólica aos grids, ao melhor atendimento ao consumidor, e a ganhos de qualidade e segurança do fornecimento de eletricidade.
O modelo atual do Brasil já evoluiu em função de peculiaridades do país, realidades sociais e políticas, e apesar das falhas do modelo, na verdade temos um setor elétrico tecnicamente sofisticado, atendendo a um número muito grande de consumidores urbanos e rurais, numa extensão geográfica considerável.
Agência CanalEnergia - Como você avalia o mercado de energia elétrica brasileiro em relação aos mercados de outros países?
Flávio Menezes - No Brasil os preços pagos pelas distribuidoras e recebido pelas geradoras é resultado de uma combinação de competição pelo mercado e determinação administrativa. A questão principal é se esses preços são eficientes. Ou seja, cabe avaliar se os preços correntes sinalizam adequadamente as necessidades de investimento e se promovem decisões corretas de consumo. Isso só ocorreria se de fato o modelo de otimização replicasse o que ocorreria em um mercado competitivo. Em contraste, no mercado australiano, o preço no atacado é determinado através de um leilão; isto é, os preços de mercado refletem os custos de oportunidade dos geradores do sistema. Na medida em que não há comportamento anticompetitivo neste mercado, os preços de mercado, por definição, seriam eficientes.
Finalmente, um modelo centralizado como o brasileiro vai ter mais dificuldade de se adaptar aos desafios que temos pela frente tais como: incorporar outras fontes de energia renováveis, estimular a eficiência energética, e facilitar a adoção de novas tecnologias. Outros modelos que usam mecanismos descentralizados vão ter mais facilidade e flexibilidade em se adaptar.
Agência CanalEnergia - No Brasil, os preços no mercado spot são definidos semanalmente, diferente do que ocorre na Austrália, onde os preços são determinados a cada 30 minutos. Você avalia que a forma como é realizado na Austrália é uma evolução de mercado? Por que?
Flávio Menezes - Como expliquei antes os preços no Brasil não são determinados pelo mercado. Na Austrália, os preços são na verdade determinados a cada 5 minutos e é então feita a média de seis preços para determinar o preço médio por 30 minutos. Parece-me óbvio que este preço tem um valor informacional muito maior que os preços determinados no mercado brasileiro. Em um mercado competitivo, espera-se que os preços venham a convergir ao custo marginal de longo prazo. Na Austrália, o preço médio no mercado atacadista é muito próximo do custo marginal de longo prazo ($50-$60 por MWh), enquanto que no Brasil esses dois valores são divergentes. Veja bem, eu não estou sugerindo que o Brasil adote o modelo de mercado de energia à vista da Austrália. A prevalência de energia hidroelétrica no Brasil praticamente inviabiliza tal conceito. No entanto, outras soluções que envolvam uma participação mais ativa dos agentes através de mercados devem ser procuradas.
Agência CanalEnergia - Como o modelo brasileiro poderá ser adaptado para acomodar serviços que estão surgindo no país, como, por exemplo, a geração distribuída e a microgeração?
Flávio Menezes - Uma dificuldade importante é que as distribuidoras são obrigadas a comprar seu consumo futuro através dos leilões. Isso significa que as distribuidoras, por exemplo, que poderiam se beneficiar de modo mais abrangente de geração distribuída e microgeração, na verdade vêem suas opções futuras de investimento limitadas. Dessa forma, a geração distribuída e microgeração acabam se tornando marginais, iniciativas pontuais de grandes consumidores por exemplo, e não parte de uma solução ótima de investimento para as distribuidoras.
O que vai ser necessário é por um lado a flexibilização do modelo de vendas futuras e por outro lado uma maior flexibilização também na regulação da distribuição e transmissão. Por exemplo, geração distribuída pode adiar temporária ou permanentemente a necessidade de se expandir uma linha de transmissão para atender uma expansão na geração ou reduzir as restrições de transmissão. Esse ganho, ou seja, o custo evitado, de alguma forma deve ser capturado pelo agente que investiu em geração distribuída.
Agência CanalEnergia - O Brasil ainda está avançando no que diz respeito a instalação de smart grids. O que é preciso para acelerar esse processo?
Flávio Menezes - O que é preciso é entender a relação entre inovação tecnológica e regulação. O arcabouço regulatório usado no Brasil e em outros países pode funcionar bem em indústrias onde a tecnologia é estável. No entanto, em geral, o modelo regulatório remunera as empresas de distribuição com base no volume de eletricidade transportado. Isso, em geral, significa que quanto maior o volume maior a remuneração, e na medida em que o preços sejam maiores do que os custos, as empresas tem um incentivo para maximizar o volume transportado. Ou seja, o arcabouço regulatório não premia inovação tecnológica que reduza o volume transportado. Portanto, a solução é mudar a regulação econômica das redes. Reguladores de outros países estão conscientes da necessidade de mudança.
Fonte: Carolina Medeiros, da Agência CanalEnergia, Artigos e Entrevistas
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