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Ildo Sauer avalia renovação das concessões no setor elétrico

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31/01/2013

 

A Medida Provisória 579, que propõe a renovação das concessões de geração de energia hidrelétrica por mais trinta anos, “para assegurar a continuidade, a eficiência da prestação do serviço e a modicidade tarifária”, conforme aponta o texto publicado no dia 11 de setembro deste ano, resulta no “reconhecimento da presidência da República de que o sistema energético brasileiro vem sendo gerido de maneira deficiente e sem interesse público nas últimas décadas”, diz o pesquisador e professor da USP, Ildo Sauer à IHU On-Line.

 Com a renovação das concessões de geração, transmissão e distribuição de energia, o pesquisador assegura que o governo pretende “hipotecar o patrimônio público” para reduzir a tarifa média de energia. Segundo ele, a proposta é ineficaz e responde a uma “pressão” da imprensa, “comandada por federações de indústrias, que fazem coro ao debate de que a energia elétrica no Brasil está muito cara”.

 Sauer diz ainda que o “governo está se escondendo atrás da pressão desses grupos de interesse, da ansiedade da classe média brasileira, que está sendo onerada com tarifas muito altas pela má gestão do sistema, pela precariedade demonstrada nos apagões recentes. O que o governo quer fazer com essa MP é anunciar um pequeno alívio tarifário para a classe média. A reivindicação da população é legítima, mas a forma como o governo quer fazer isso é absolutamente inaceitável do ponto de vista de quem considera o interesse público”.

 Na entrevista a seguir, concedida por telefone, o engenheiro comenta os apagões da última semana, analisa os problemas do setor elétrico e enfatiza que “o custo da energia não irá baixar; apenas irão vender a energia pelo custo de operação e manutenção, sem remunerar o seu valor. É isso o que Dilma quer fazer. Com isso ela acha que irá reduzir em 28% o custo dos grandes consumidores e em 16% para os pequenos e médios consumidores”. E dispara: “O irônico é que provavelmente a população vai gostar da medida, porque vai ter um alívio pequeno nas tarifas. Só que vamos pagar mais caro no futuro, porque a falta de educação e saúde públicas continuará fazendo esse povo se refugiar em casamatas e contratar segurança privada. Nós vamos continuar aumentando a distância associada entre vários grupos em vez de resolvê-la”.

 Ildo Sauer é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mestre em Engenharia Nuclear e Planejamento Energético pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e doutor em Engenharia Nuclear pelo Massachusetts Institute of Technology – MIT. É professor titular da Universidade de São Paulo – USP.

 IHU On-Line – Quais são as implicações da Medida Provisória – MP 579, que diz respeito à renovação das concessões do setor elétrico?

 Ildo Sauer – A MP 579, que está sob análise no Congresso Nacional e sendo avaliada pelas empresas, trata basicamente de uma antecipação em relação ao vencimento das concessões. De acordo com Constituição da República, todos os potenciais hidráulicos pertencem ao país e são parte do patrimônio nacional, assim como as concessões dos sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica. Portanto, uma vez vencidas as concessões, elas devem ser integradas ao patrimônio público. No entanto, não é isso o que acontece, e a MP 579 é uma tentativa do governo para utilizar aproximadamente 22 mil megawatts de usinas hidrelétricas e 80 mil quilômetros de via de transmissão, para tentar render essa energia só pelo custo de operação e manutenção, sem valorizar o capital e, com isso, tentar reduzir a média tarifária, que sempre beneficiou os maiores consumidores.

 “Qualquer benefício linear, como o que está sendo proposto, beneficiará só os mais ricos e deixará de fora 2,5 milhões de pessoas que ainda não têm acesso à energia”

 O governo vai anunciar publicamente que a tarifa média irá diminuir para todos, só que quem mais consome energia no Brasil são aqueles que têm mais renda. Portanto, qualquer benefício linear, como o que está sendo proposto, beneficiará só os mais ricos e deixará de fora 2,5 milhões de pessoas que ainda não têm acesso à energia. Remédio para os males brasileiros A MP 579, anunciada em setembro, é um remédio para os males brasileiros. Mas há de se ressaltar que os males foram causados inicialmente no governo Fernando Henrique Cardoso, e foram aprofundados nos governos Lula e Dilma. Agora, com a renovação das concessões de geração, transmissão e distribuição de energia, pretende-se hipotecar o patrimônio público por aproximadamente 35 anos, conforme a MP prevê, para reduzir a tarifa média de energia.

 O problema é que grupos econômicos continuam ganhando muito dinheiro, os projetos energéticos continuam sendo mal escolhidos e a taxa interna de retorno continua altíssima. O governo não faz nada porque os empresários fazem parte da rede de amigos do governo anterior e do governo atual. Ainda há outras questões que precisam ser consideradas nesse campo, visto que daqui a pouco o governo estará hipotecando todas as reservas do pré-sal, como já foi feito pelo governo Lula, que entregou uma grande franja do pré-sal para a empresa OGX. O governo está se escondendo atrás da pressão desses grupos de interesse, da ansiedade da classe média brasileira, que está sendo onerada com tarifas muito altas pela má gestão do sistema, pela precariedade demonstrada nos apagões recentes. O que o governo quer fazer com essa MP é anunciar um pequeno alívio tarifário para a classe média, e hipotecar uma riqueza enorme do patrimônio nacional em nome dos poderosos de sempre. A reivindicação da população é legítima, mas a forma como o governo quer fazer isso é absolutamente inaceitável do ponto de vista de quem considera o interesse público e de quem busca saber que, no Brasil, há segmentos da população que nunca tiveram benefício algum, e ainda vivem em condições precárias, não tendo acesso à educação e à saúde.

 O governo atende às pressões que estão à mesa, que estão na imprensa, no parlamento, na base de apoio, nos círculos empresariais, e vai entregar o patrimônio público ao setor privado com aura de quem está resolvendo um problema histórico da população. De maneira que nessa dualidade de comportamento – ou seja, entre aquilo que acontece nas entranhas do governo, dentro das relações econômicas, políticas e sociais e o que é anunciado publicamente – parece haver uma “Carminha Rousseff”. Ou seja, alguém que tem, de um lado, uma imagem pública altamente generosa, benevolente e, nas entranhas, comete toda e qualquer ação em benefício das artimanhas que atendem às pressões dos grupos dominados.

 IHU On-Line – Quais são as concessões a serem renovadas e como avalia essas possíveis renovações?

 Ildo Sauer – No conjunto de concessões estão empresas públicas como Furnas Centrais Elétricas S.A., a Companhia Hidroelétrica do São Francisco, a Eletrosul – Centrais Elétricas S.A., e empresas estatais estaduais, como a Companhia Energética de São Paulo – CESP, a CEMIG Energia, a Companhia Paraense de Energia – COPEL, e a Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE, do Rio Grande do Sul. Há outros grupos envolvidos, mas essas concessões irão vencer até 2017, porque elas fazem parte da reforma do setor elétrico feita no governo Fernando Henrique Cardoso.

 Tem alguns pontos implícitos na proposta da medida provisória 579. O primeiro é de que o anúncio feito no dia da Pátria – tentando dar sentido a essas concessões – resulta num reconhecimento da presidência da República de que o sistema energético brasileiro vem sendo gerido de maneira deficiente e sem interesse público nas últimas décadas. A presidência da República reconhece que as tarifas se tornaram explosivas, e que depois de duas décadas de promessas de reformas – feitas pelo governo FHC, e do ajuste de reformas feito pelo governo Lula, sob o comando da ministra de Minas e Energia, hoje presidente da República –, levaram a um conjunto de consequências. Entre elas, a de que o Brasil tem, para o setor regulado – que abarca quase 60 milhões de consumidores residenciais, comerciais e industriais – uma tarifa altíssima.

 Por outro lado, há muita reclamação do setor produtivo, que são cerca de 1.500 consumidores, que consomem aproximadamente 28% de toda a eletricidade brasileira e que têm enorme poder de barganha, mas que continuam fazendo uma pressão enorme para continuar recebendo energia a preços muito abaixo dos custos. Esses consumidores têm comprado energia a um preço aviltado, porque pagam apenas 20% do custo da energia. No Brasil, a energia não custa menos de cem reais o megawatt-hora (MWh), mas esses consumidores pagaram cerca de 20 reais por MWh durante longos períodos.

 IHU On-Line – Hoje há um discurso no governo de que é possível reduzir o valor da tarifa energética brasileira, que é uma das mais caras do mundo. Quais as razões?

 Ildo Sauer – Existe uma pressão muito grande na imprensa, comandada por federações de indústrias, que faz coro ao debate de que a energia elétrica no Brasil está muito cara. Esses grupos de interesse estão pressionando o governo para que ele utilize o patrimônio público herdado depois de meio século para ajudar a favorecer grupos que já se beneficiaram na última década. Por que a tarifa é cara no Brasil? Porque foram feitos contratos no governo FHC e no governo Lula, que dão enorme taxa de retorno sobre os investimentos em geração, em linhas de transmissão e em sistemas de distribuição. Foram escolhidos projetos fora da ordem natural de mérito. Além disso, vários projetos energéticos, como o de usinas de carvão, que têm altíssimo custo, foram contratados em leilões improvisados.

 “Todo o custo dessas usinas (a gás), que é superior ao das hidráulicas, num valor de dois a três bilhões de reais por ano, foi transferido para todos os brasileiros”

 Em seguida, foram contratadas as usinas do rio Madeira e de Belo Monte, com controvérsias ambientais e sociais. Tudo isso aconteceu porque o governo não fez um planejamento de todo o potencial hidrelétrico brasileiro, do potencial de modernização e repotenciação de usinas antigas existentes. Então, a falta desses projetos e a opção por projetos como o do rio Madeira é o que faz a tarifa ser cara no país. Além disso, quando a construção de novas usinas atrasa, em vez de o governo multar os que venderam e não entregaram, ele faz acordos, e todos esses custos acabam sendo repassados aos consumidores. Há outra coisa importante: a Petrobras fez um gasoduto entre Urucu e Manaus para levar gás natural a essa última cidade, e permitir que seu sistema elétrico operasse com gás em lugar de operar com óleo diesel. Embora o gasoduto tivesse ficado pronto em 2008, somente três anos depois o governo começou a converter as usinas para o uso de gás.

 Todo o custo dessas usinas, que é superior ao das hidráulicas, num valor de dois a três bilhões de reais por ano, foi transferido para todos os brasileiros. Além disso, de maneira inexplicável, em 2004 o governo renovou os contratos com as grandes usinas de alumínio do Pará e do Maranhão, por cerca de metade do custo da energia, algo em torno de 50 reais por MWh, quando a energia em Tucuruí custava cem reais o metro. Todas essas ações contribuíram para que o valor da energia explodisse. Especulação energética Além disso, tem uma série de atores que nada mais fazem no sistema elétrico do que ver quem tem energia disponível para vender para quem não tem.

 Se o governo fizesse um sistema público de informações, elas seriam públicas, e as decisões seriam tomadas racionalmente, sem taxas de mediação e intermediação, que sustentam em muitos casos a transferência para fundos políticos e eleitorais de duvidosa legalidade. Hoje ainda existem muitas empresas, contratadas no governo FHC e Lula, vendendo energia a duzentos reais o MWh. E agora o governo quer obrigar os operadores das concessões a prorrogarem-nas e a calcularem a tarifa de energia próximo do custo de operação e manutenção. Isso vai dar um custo de pelo menos 15 reais por MWh, mas a energia vale 100 reais. Então, tem uma diferença mínima de 80 reais em cada MWh. Essas usinas poderão produzir cerca de 110 milhões de MWh por ano. Por isso, o que está em jogo é uma receita, porque se 110 milhões de MWh forem vendidos a cem reais, são 11 bilhões de reais por ano. O custo de operação e manutenção talvez chegue a dois bilhões de reais anuais.

 Portanto, haverá uma sobra líquida de 9 bilhões de reais ao ano. De quem será essa sobra, a chamada renda hidráulica? De acordo com a Constituição, esse valor pertence ao povo brasileiro e deveria ser utilizado para resgatar a dívida histórica do Estado com a população. Hoje, depois de 11 anos de propaganda do programa governamental Luz para Todos, 2,5 milhões de brasileiros estão às escuras, ainda não têm acesso à energia elétrica. Eu proponho que se venda essa energia a um custo médio de 80 reais para o mercado cativo, e que destine os 6 bilhões de renda líquida para a educação.

 IHU On-Line – Mas o pacote sinaliza a possibilidade de se baixar entre 16,2% o preço da eletricidade para os consumidores e 28% para as indústrias. O que permite reduzir o valor da tarifa neste momento?

 Ildo Sauer – O custo da energia não irá baixar; apenas irão vender a energia pelo custo de operação e manutenção, sem remunerar o seu valor. É isso que Dilma quer fazer. Com isso ela acha que irá reduzir em 28% o custo dos grandes consumidores e em 16% para os pequenos e médios consumidores. O irônico é que provavelmente a população vai gostar da medida, porque vai ter um alívio pequeno nas tarifas. Só que vamos pagar mais caro no futuro, porque a falta de educação e saúde públicas continuará fazendo esse povo se refugiar em casamatas e contratar segurança privada. Nós vamos continuar aumentando a distância associada entre vários grupos em vez de resolvê-la.

 IHU On-Line – Quais as razões dos apagões da última semana? Quais são as deficiências do setor elétrico e em que aspectos há ausência de planejamento?

 Ildo Sauer – São as mesmas razões dos vários que aconteceram no ano passado e daqueles que aconteceram no final do governo Lula. Existem dois problemas. Um está na esfera política a que me referi na resposta anterior, ou seja, a estrutura de organização, o planejamento e a gestão do sistema não são adequados, porque em 2003 e 2004 o governo não seguiu aquilo que havia prometido para o setor, e que consta, por exemplo, no livro A reconstrução do setor elétrico brasileiro, cujos atores principais somos eu e o professor Luiz Pinguelli Rosa.

 À época estruturamos um pacote de reformas que eram consideradas essenciais para melhorar a qualidade da expansão do sistema elétrico brasileiro, reduzir os custos, os riscos, e torná-lo mais eficaz, com capacidade de atender, além dos critérios técnicos, aos critérios econômicos, sociais e ambientais. O governo abandonou isso em nome de manter o modelo substancialmente criado no governo de Fernando Henrique Cardoso, com o papel da Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica, que apenas regula a energia. Ela foi inspirada no modelo inglês, pelo qual o órgão regulador tem a obrigação de calcular apenas tarifas e preços e vigiar o comportamento. Quando há problemas, aplica-se uma multa, e é o que tem acontecido no Brasil.

 O governo aceitou parte da chamada regulação por incentivos, na qual parte da tarifa brasileira é uma parcela gerenciável,

 “Nitidamente estamos vendo que o governo tem centrado o foco nos contratos de novas vias de transmissão, e tem abandonado substancialmente o modelo de regulação e controle sobre o sistema elétrico” onde as empresas administram a energia, e o lucro que elas obtêm entre as revisões tarifárias pode ser embolsado; e parte é não gerenciável, ou seja, a empresa é uma mera repassadora. O problema é que parte dos ganhos com o repasse foi embolsado por defeito de contrato, e agora há ações no Tribunal de Contas da União para obrigar as empresas a devolver cerca de dez bilhões de reais. Há também uma ação na Justiça Federal de Porto Alegre, na qual eu próprio fui testemunha em defesa dos consumidores e do Ministério Público Federal, que busca obrigar uma devolução do excedente cobrado na parcela não gerenciável. A parcela gerenciável tem gerado muitos lucros, só que a obrigação da empresa é fazer a manutenção. Mas como a manutenção preventiva é centrada na confiabilidade, ela não tem sido feita.

 O problema está, portanto, na filosofia regulatória que a Aneel tem seguido, e que precisava e deveria ter sido revista em 2003, mas não foi. Nitidamente estamos vendo que o governo tem centrado o foco nos contratos de novas vias de transmissão, e tem abandonado substancialmente o modelo de regulação e controle sobre o sistema elétrico. A Aneel está sediada em Brasília, e as equipes técnicas não vão a campo para verificar o estado real do sistema de geração, transmissão e distribuição de energia. Para calcular a tarifa elétrica, essa agência usa o que se chama de empresa de referência. Ou seja, faz-se um projeto, no papel, do que seria um sistema capaz de atender a uma região, por exemplo, Porto Alegre. Então, a companhia CEEE no Rio Grande do Sul serve certa região, a RGE serve outra região, e a AES Sul serve outra. Faz-se um cálculo de gabinete, de quanto seria um investimento necessário para essa região, e se calcula a tarifa com base nisso. Não se vai a campo para verificar nada, porque não há a obrigação de ter relatórios periódicos. E quando acontece um problema no sistema de energia, aplica-se uma multa, que em geral acaba sendo eliminada na Justiça.

 De forma que, quando falo da estrutura de organização e gestão muito precária, refiro-me a isso. Outro problema é que os papéis do setor estão muito diluídos, porque temos um número muito grande de agentes envolvidos no setor, como a Agência Nacional de Energia Elétrica, a Operadora Nacional do Sistema, a Câmara de Comercialização de Energia, a Empresa de Planejamento Energético, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, o Conselho Nacional de Política Energética, o Ministério de Minas e Energia, além de outros atores e empresas públicas estatais. Além disso, temos um padrão tecnológico que se tornou mais complexo e de maior dificuldade de comunicação entre as empresas e os padrões tecnológicos. Muitas das distribuidoras e transmissoras de energia, quando compram equipamentos novos, o fazem com base no menor preço e isso lhe dá o maior lucro. Nem sempre esse é o melhor padrão tecnológico e de maior confiabilidade. O Centro de Inovação em Confiabilidade, Qualidade e Controlabilidade do Sistema Elétrico que criamos no Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP identificou uma série de problemas, e estamos operando para que se implemente na universidade a pesquisa no campo tecnológico.

 O sistema é mais complexo porque, com a quantidade de aparelhos existentes, o consumo de energia final se alterou e alterou a sua forma de operar, além de ter alterado o impacto que os aparelhos causam sobre o sistema elétrico. Por um lado, as lâmpadas eletrônicas fluorescentes compactas permitem economizar energia, da mesma forma que o chuveiro com controle eletrônico permite reduzir a temperatura, e do mesmo modo que outros equipamentos residenciais trouxeram conforto. Mas, por outro lado, eles estão criando poluição harmônica, isto é, ondas eletromagnéticas voltam na rede elétrica e podem muitas vezes acionar sistemas de proteção. Tudo isso é um sistema complexo, e as empresas elétricas nada tem a ver com isso. Isso tem a ver com o governo indiretamente, porque é ele que deveria fiscalizar a qualidade de todos os produtos que entram no mercado consumidor e afetam o sistema de uso coletivo, que é o sistema elétrico.

 Se Itaipu foi acusada injustamente de ter gerado problemas em seu sistema de transmissão contínuo, entre Itaipu e São Paulo, que são 800 quilômetros, imagina o que se pode esperar em termos de sofisticação quando entrarem os bipolos elétricos de corrente contínua, vindo do rio Madeira até São Paulo, de Belo Monte até São Paulo, e os outros interligando essas mesmas regiões com o Nordeste. O sistema estará muito mais complexo tecnologicamente e a controlabilidade vai ter que ser acompanhada com muito mais rigor. É preciso fazer pesquisas, é preciso melhorar a tecnologia, é preciso atuar cooperativamente.

 IHU On-Line – Como estão as pesquisas no setor vislumbrando esse novo quadro que o senhor aponta?

 Ildo Sauer – O Brasil gasta cerca de quase 400 milhões por ano em pesquisa e desenvolvimento. Parte significativa desses projetos tem tido pífios resultados. Nós estamos propondo uma rede de universidades brasileiras que trabalhe tecnologicamente junto às empresas do setor energético e junto às empresas da cadeia de fornecimento para ajudar a resolver esse problema técnico. Todavia, como eu disse antes, o problema não é substancialmente técnico. Parte significativa do sistema elétrico brasileiro, hoje, já tem mais de 50 anos em algumas regiões, e não pode continuar operando. Há transformadores que já estão com sua vida útil esgotada; eles têm que ser reformados ou substituídos. Não vejo um plano efetivo de que todos esses fatores estejam sendo considerados no planejamento da ampliação da capacidade da transmissão, distribuição e geração do sistema elétrico. Os apagões que têm acontecido mostram uma clara deterioração do sistema, indícios de manutenção deficiente. As agências têm sucumbido o que se chama de captura do regulador pelo regulado, em razão da sua proximidade, do seu poder econômico e da sua capacidade de comunicação e influência.

 IHU On-Line – Há incertezas em relação à distribuição e geração de energia?

 Ildo Sauer – Sim. No início deste ano, o Rio Grande do Sul passou por um momento apreensivo, porque não se sabia se a geração e a transmissão de energia que vem do sudeste, principalmente de Itaipu, mais a geração local seriam capazes de atender à demanda. Pediu-se um socorro à Argentina. Isso demonstra que nós estamos em uma situação de apreensão. Mas o vínculo disso tudo é com a organização, com estrutura de organização, planejamento e gestão. Os planos precisam ser feitos com melhor competência técnica, melhor avaliação econômica, social e ambiental.

 O problema de organização, planejamento e gestão é uma responsabilidade do governo, especialmente daquela que, como ministra, não cumpriu suas obrigações em 2003 e 2004, e foi premiada com a presidência da República. Dilma é obrigada a usar o patrimônio público para esconder parte dos erros e ineficiências cometidas como ministra. A presidente está usando o poder dela sobre o patrimônio público para fazer um populismo e tentar salvaguardar um pouco dos problemas criados por deficiência da sua gestão no Ministério de Minas e Energia. E os apagões são um reflexo disto: falta de manutenção preventiva, falta de monitoramento e acompanhamento do que acontece no mundo real e em todas as empresas brasileiras, falta de estrutura do agente regulador, que foi criado para um propósito e, hoje, tem que cumprir outro.

Fonte: http://www.carosamigos.com.br/

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