Voltemos no túnel do tempo uns 18 anos, especificamente, ao ano de 1993. Ao escrever estas linhas, lembro-me como se hoje fosse. Lá estava este escriba numa das salas de exposição do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social-BNDES, no centro do Rio de Janeiro, concluindo a exposição de um trabalho de pesquisa a respeito do maior carro-chefe da ‘modernização’ da agropecuária goiana a partir de 1986: a irrigação.
Na plateia, além de alguns de meus antigos mestres e colegas de pós-graduação na Unicamp, se encontrava gente de vários recantos do País. O BNDES era o local onde se transcorria o Sexto Congresso Brasileiro de Planejamento Energético e Primeiro Seminário Latino-Americano sobre o assunto.
O trabalho que se tornou uma certeza ante a realidade dos fatos que só o tempo elucida nada mais era do que a vivência deste escriba transformada em números a respeito da euforia que impregnara a então Centrais Elétricas de Goiás com a instalação de suporte elétrico para atender à enorme demanda de pivôs centrais que subitamente começou a crescer no Estado.
Desconfiado daquela euforia toda no tocante ao suporte elétrico, comecei a me debruçar nos estudos das maiores autoridades sobre o assunto. Avaliei como foi a implantação de pivôs no Estado norte-americano do Nebraska, mas foi o estudo de um mineiro, professor da Universidade Federal de Viçosa, doutor Teotônio Santos, que assessorou o governo de Minas Gerais na implantação de programas dessa natureza, que mais me chamou atenção.
Em seus escritos, o estudioso atentava para um importante conceito que eu, na época, testemunhava estar muito distante dos programas de incentivo à irrigação que o discurso político implementava em nome do ‘desenvolvimento’: o de complexo agrícola. Este, em outras palavras, aconselhava que, para serem bem-sucedidos, os programas de incentivo à irrigação deveriam necessariamente considerar outras variáveis além da energia necessária para alimentar os pivôs centrais. Ou seja, o suporte elétrico teria de chegar a lugares com disponibilidade de água - daí a importância do estudo de recursos hídricos - e de estradas para o escoamento da produção. Além disso, seria necessário avaliar rigorosamente as linhas de crédito agrícola, bem como a situação macroeconômica do País. Enfim: a política de incentivo à irrigação faria parte de um todo composto de diversas variáveis. Se não fosse vista desse modo, a implantação dos programas de irrigação poderia trazer um pesado ônus para a sociedade: o empobrecimento da concessionária. Dito e feito. Foi exatamente o que aconteceu com a empresa goiana, a Celg, e, evidentemente, o que não aconteceu com a empresa mineira, a Cemig. Por que essa diferença nos resultados? A Cemig trabalhou profissionalizadamente, sem ocupar-se com clientelismo. A Celg trabalhou amadoristicamente, tocada pelo clientelismo. A Cemig trabalhou inserida no conceito de complexo agrícola; a Celg desconsiderou complemente esse conceito. Assumiu papéis que não eram seus. À parte, a empresa tornou-se mais importante que o todo, o Estado. E o que mais se viu nesse Estado foi suporte elétrico onde não havia estrada para escoar a produção, nem água. E suporte elétrico colocado numa época em que as taxas inflacionárias estavam lá nas alturas.
É exatamente nesse ponto que cabe aqui relembrar meu trabalho investigativo de 1993. Após discussões num ambiente crítico, concordou-se, enfim, que era absurdo o que se cometia aqui na terra do Anhanguera em nome do desenvolvimento. Um colega, na época, me disse algo de que nunca esqueci: “Eis aí a face mais visível do que vem a ser a ilusão do desenvolvimento.” Sábias palavras.
Vale ressaltar que concordância houve lá, no evento do BNDES. Mas quando apresentei o trabalho aqui na terra da grande poetisa Cora Coralina... Bem, deixemos coisas menores para lá. Voltemos ao que importa: o cerne da questão.
Desse modo, indo de encontro ao que desejava o desenvolvimento fácil, populista, constatei algo incomum: os investimentos no suporte elétrico para irrigação de 1986 a 1993 sobrepujaram mais de três vezes o crescimento da agropecuária goiana. E o que isso significava? Uma coisa só: investimentos ociosos, sobreinvestimentos muito além do necessário. E como em economia não existe almoço grátis, perdia patrimônio a empresa para ganhar quem construía tais esqueletos.
E o pior estava ainda por vir: tendo por base o ano de 1986, por intermédio de uma série histórica, desenvolvi um modelo matemático para prever tecnicamente como poderia se desdobrar a realidade diante de dois cenários com horizonte final até 2001. O primeiro, de visão mais otimista, chamei de política ativa. Neste, pressupus as seguintes hipóteses: o governo trabalharia com os programas de irrigação nos moldes do conceito de complexo agrícola, levando em conta outras variáveis, como anteriormente expus. No segundo, de visão bem mais pessimista, ao qual intitulei política passiva, pressupus, dentro da lógica do modelo investigativo, que o governo continuaria a trabalhar às tontas, como vinha até então trabalhando: sem integração com outros órgãos. Essa postura, de um lado, desperdiçava dinheiro público, mas muito beneficiava construtores. Que tinham lá seus agentes. Alguns destes, sem desconfiômetro de seus estragos passados, insistem em permanecer na realidade atual que está a exigir uma nova cultura para voltar a bem servir a boa gente desta terra.
Voltando aos cenários e traduzindo em números as hipóteses configuradas no modelo matemático, verificou-se que, de 1986 a 2001, a comparação entre os dois cenários idealizados chegou a apontar um sobreinvestimento de 14 vezes além do necessário para garantir a demanda crescente. Recursos imobilizados em meros esqueletos, característicos de um desenvolvimento fácil, que a empresa teve de arcar com seu patrimônio nos tempos não inflacionários.
E o que têm a ver os apagões de hoje com essas irrealidades do passado? Têm tudo a ver. São esqueletos dessa natureza que, ao longo do tempo, vêm minando a capacidade de investimentos da empresa na expansão do sistema elétrico. Se hoje a Celg tem sobrecarga nas linhas de transmissão, nos transformadores, no sistema elétrico por falta de investimentos, é porque houve época em que muito se desperdiçou em recursos públicos. Uma época em que os defensores da empresa, alguns de seus administradores, disseram amém à política predatória que liquidou e inviabilizou aquela que um dia foi o maior orgulho do povo goiano. Concordaram e apoiaram os absurdos como os que acima descrevi. Também pudera: era o caminho mais fácil para se chegar aos cargos de direção.
Se hoje se pretende construir uma nova ordem de valores, é mister que o futuro seja completamente diferente. Espero que o governo entenda isso e não mais dê apoio àquilo que o futuro eleitoral lhe há de mostrar ser politicamente inviável. Sustentabilidade política é, antes de tudo, uma aprovação da sociedade a atos morais. Assim nos ensinam os grandes sábios.
Fonte: Diário da Manhã
O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas no Estado de Goiás (STIUEG) teve seu início no ano de 1949, com a criação da Associação dos Funcionários da CELG. O segundo passo importante dessa história foi dado com a extensão de base para a Associação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas no Estado de Goiás...
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