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Pela cara água, pela clara água

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25/03/2011
Hélio Rocha

A poesia sempre teve amorosa combinação com a água. O grande poeta anglo-americano H. C. Auden faz a ela uma saudação muito amiga na abertura de um poema, chamando-a de cara água, clara água. Cecília Meireles lembra em versos que um poeta é sempre irmão da água e dos ventos.

A poeta goiana Cora Coralina compunha o seu canto enquanto cultivava avencas e fazia doces, o Rio Vermelho a lamber o quintal de sua casa velha da ponte. O poeta pernambucano Joaquim Cardozo assuntava os ruídos do Rio Capibaripe enquanto criava a sua poesia. Ambos ataram seus versos aos elementos da natureza e ambos deram dimensão universal aos seus poemas. Cardozo, mestre também no ofício de calcular, imaginou, certa vez, o congresso dos ventos. Um trecho:

"Na várzea extensa do Capibaribe, em pleno mês de agosto/ reuniram-se em congresso todos os ventos do mundo;/ (...) - Mistral, com seus cabelos de agulha, e os seus frios de dedos finos,/ Simun, com arrepiadas, severas e longas barbas de areia quente,/ (...) E Garbino, enviado das praias catalãs".

Para refletir sobre o compromisso com a água, cujo dia mundial acaba de ser comemorado, vamos imaginar também um congresso dos representantes da natureza, sob a proteção da Organização das Nações Unidas, no cenário em que teve início a formação de um pacto ambiental que na verdade nunca foi bem cumprido, o Rio de Janeiro, onde se dará, em 2016, a grande confraternização dos Jogos Olímpicos.

Passaram-se já quase 19 anos da realização, no Rio, da Eco-92, e a humanidade ainda não conseguiu ver, em forma plena de realidade, o cumprimento de convenções, protocolos e recomendações daquele encontro que se supunha um histórico salto a favor da vitória da causa ambiental.

No congresso dos representantes da natureza tomam assentos contíguos os representantes dos vales e dos rios. Vão propor um consenso que torne imperdoável os pecados de agressão aos mananciais, de contaminação dos rios e de seus tributários. Consenso que também torne obrigatória a proteção das matas ciliares, que obrigue a reposição das que foram devastadas e o empreendimento de esforços em defesa da fauna e da flora.

Pois, assim, dirão eles, os rios voltarão a correr por verdes vales. As árvores, os arbustos, as várzeas e os frutos enviaram representantes que formaram uma bancada unida para protestar contra o machado, a motosserra e as queimadas. E propuseram também que nas escolas, nas igrejas e nos clubes se ensine respeito à natureza e se pregue a doutrina ambientalista. E que a água receba a devoção de todos para que conserve a sua pureza, ela que é a diva dos elementos da natureza.

João Cabral de Melo Neto, como Joaquim Cardozo, tinha também muita afinidade com o Capibaribe. Ele escreveu que abraçava os rios como amigos:

"Os rios que eu encontro/Vão seguindo comigo./ Rios são de água/ pouca, em que a água sempre está por um fio./ Cortados no verão/ Que faz secar todos os rios./ Rios todos com nome e que abraço como a/amigos./ Uns com nome de gente,/ outros com nome de bicho, / uns com nome de santo, muitos só com apelido."


Fonte: Caderno de Opinião - Jornal O Popular

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