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Água: cada vez mais cara e rara

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23/03/2011
Lourdes Souza

Despercebido em meio à ilusão de abundância, o valor da água aumenta sorrateiramente na mesma proporção em que o recurso torna-se mais raro. Após amargar um reajuste de 40,77% ao longo dos últimos sete anos, o consumidor goiano atualmente desembolsa cerca de R$ 2,05 pelo metro cúbico fornecido pela Empresa de Saneamento de Goiás (Saneago). Em outros estados brasileiros, a mesma quantidade chega a custar até R$ 5.

Commodity ainda sem substituto a altura, a água só recebe a devida importância quando some das torneiras ou demanda quilômetros de caminhada para que seja acessada, como ainda acontece nos rincões do semiárido. E uma rápida radiografia do manejo dos recursos hídricos mostra que a situação tende a piorar e muito.

Em menos de 15 anos, a falta sistemática de água pode afetar os municípios da região metropolitana de Goiânia e do entorno do Distrito Federal. Com todos os 185 mananciais de superfícies poluídos e degradados, o Estado tem registrado deficiência nos sistemas produtores. Para evitar o desabastecimento a partir de 2015 e garantir a oferta até 2025, a Capital e cidades vizinhas precisariam investir R$ 304,4 milhões, em água e esgoto.

O Atlas de Abastecimento Urbano de Água divulgado pela Agência Nacional das Águas (ANA) apontou que a segurança hídrica nacional corre perigo. Até dezembro do ano passado, só na grande Goiânia mais 60% dos sistemas produtores necessitam de ampliação nas unidades de captação, adução, elevatórias e estações de tratamento de água (ETA). Como os investimentos caminham a passos de tartaruga, nesta terça-feira, 22, Dia Mundial da Água, cai bem dispensar alguns minutos para refletir sobre a situação dos recursos hídricos.

Isso porque, além do desconforto provocado pela escassez, o especialista em tecnologias ambientais e diretor da empresa de monitoramento ambiental Ag Solve, Mauro Banderali, não vacila em reforçar que a conta de aguá pesar ainda mais no bolso da humanidade nos próximos anos devido ao avanço do desperdício e poluição. "Para se ter uma ideia, paga-se mais caro por uma garrafinha de meio litro de água mineral do que pela mesma quantidade de gasolina. Estamos falando de um bem mais valioso do que o petróleo e quase ninguém percebe isso".

E a evolução dos custos não fica somente na compra avulsa no bar da esquina. Uma concessionária de água como a Sabesp, em São Paulo, gastava 30 quilos de produtos químicos para tratar uma tonelada de água na década de 70. Hoje, esse volume passou para 80 quilos por causa do aumento nos índices de contaminação. Em Goiás, apesar de a Saneago não ter divulgado os dados atuais sobre os gastos com o tratamento e impacto na conta do consumidor, sabe-se que a realidade não é muito diferente da paulista.

Poluídos assim como os demais mananciais do Estado, os rios de Goiânia possuem ligações clandestinas nas galerias pluviais, além de ocupações que estão nas margens de rios e produzem um volume muito grande de lixo. Invadidos pelas áreas urbanas, os leitos recebem todo tipo de degradação. Mesmo contando com a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), Goiânia consegue tratar apenas 52% do esgoto coletado.

Deficiência que provoca um ciclo maligno do esgoto, que sai das casas e indústrias  e acabam voltando na água contaminada. Segundo Mauro Banderali, a falta de tratamento de esgoto é um mau que acomete a maioria das cidades brasileiras. Em Recife assim como Goiânia apenas 50% da cidade tem rede de esgoto.

Preocupado com a qualidade da água consumida por sua família, Márcio Fundão Barcellos, 66, trocou o filtro pela água mineral. "Há o tratamento na rede de água, mas nunca sabemos se estamos seguros de verdade", comenta o aposentado que atualmente consome uma média de cinco garrafões de 20 litros cada por mês e viu os gastos subirem.

Ele paga cerca de R$ 5 por garrafão, que, ao final do mês, leva R$ 30 do orçamento mais os R$ 150 da tarifa pública de água. Márcio diz que a família formada por mais três integrantes, a esposa e dois filhos, tem adotado medidas para reduzir o consumo. "As roupas são lavadas somente uma vez por semana e os banhos estão menores e com uso racionado da água. Mas, ao mesmo tempo, observo um avanço silencioso nos preços cobrados seja pela água mineral seja na água pública".

As dúvidas de Márcio em relação à qualidade são validadas por Mauro Banderali. Segundo ele, é comum o consumidor, em qualquer cidade brasileira, não confiar plenamente na água que vaza pela torneira. Defensor de uma pactuação civil, diz que as universidades deveriam ser parcerias da sociedade na avaliação

Dados

Investimento urgente
* R$ 241,6 milhões: investimentos previstos (obras e projetos) para o Sistema Integrado de Goiânia, incluindo os sistemas de Nerópolis, Goianápolis, Hidrolândia e Senador Canedo.
* R$ 304,4 milhões: investimentos necessários em água e esgoto nos 12 municípios da região para atender a demanda futura
* 2025: até esse ano, a operação da barragem do João Leite deve garantir o abastecimento da Capital e região metropolitana


Vítimas da escassez
* Em Goiás, o Entorno do Distrito Federal está entre as regiões mais afetadas pela escassez ao lado da Capital
* 30% dos 5,5 bilhões de habitantes do planeta já sofrem com a escassez de água


Pintou sujeira
* Em Goiás há 185 mananciais de água e todos estão poluídos em níveis diferenciados
* 43 mananciais nascem dentro de Goiânia, mas 94 integram a região metropolitana
* Os campeões em poluição são os ribeirões: João Leite, Meia Ponte, Anicuns e Piancó, em Goiânia e região metropolitana, e os ribeirões Santa Maria, Rio Maranhão e Saia Velha. no Entorno do Distrito Federal

Cidades invasoras
n 58 cidades: com a malha urbana dentro das áreas de captações de água
n 35% dessas cidades têm 31,35% do território em situação crítica
n 40 cidades: com a malha urbana a menos de 500 metros de distância das bacias hidrográficas
n 21,62% das áreas dessas cidades estão em estado de alerta
n 26 cidades: com malha urbana entre 500 e mil metros dos limites das bacias (risco médio)
n 61 cidades: com áreas urbanas a mais mil metros de distância das captações de água (baixo risco)


Cidades invasoras
* 58 cidades: com a malha urbana dentro das áreas de captações de água
* 35% dessas cidades têm 31,35% do território em situação crítica
* 40 cidades: com a malha urbana a menos de 500 metros de distância das bacias hidrográficas
* 21,62% das áreas dessas cidades estão em estado de alerta
* 26 cidades: com malha urbana entre 500 e mil metros dos limites das bacias (risco médio)
* 61 cidades: com áreas urbanas a mais mil metros de distância das captações de água (baixo risco)
COMPLEMENTO PARA INFOGRÁFICO

Pesando no bolso
Confira os reajustes aplicados pela Saneago
2004 - 11,56%
2005 - 5,91%
2006 - 5,52%
2007 - 4,31%
2008 - 4,20%
2009 - 6,17%
2010 – 3,10%

Fonte: AGR (Desde 2004, a Agência Goiana de Regulação passou a elaborar estudos para a definição dos reajustes tarifários anuais da Saneago)


Invasão das cidades

A ocupação desordenada do solo está diretamente ligada à qualidade da água. Somente em Goiás a população de 58 municípios invadiu os territórios das captações de água, que estão em situação crítica. Ou seja, um terço das bacias estão ocupadas pelas cidades.

O relatório sobre a expansão urbana nos mananciais de superfícies, feito pela Saneago, em 2008, mostra ainda que 40 cidades estão em alerta com a malha urbana a menos de 500 metros de limite das bacias hidrográficas. Isso prejudica os outros 21,62% das áreas de preservação, que correm o risco de engrossar as estatísticas críticas. Ao todo, no Estado, 50% das regiões de captação estão prejudicadas pelo avanço das cidades.

No que se refere à Goiânia, o plano diretor da cidade prevê uma legislação específica com  intuito de garantir a proteção dos recursos hídricos. As construções precisam respeitar uma margem de 100 metros de distância a partir do leito do rio. Mas, hoje, 43 mananciais nascem dentro do município e contando com rios que nascem em outras regiões, há 94 deles que integram a região metropolitana.

Na Capital e região metropolitana, os recordes de poluição estão nos ribeirões João Leite, Meia Ponte, Anicuns e o Piancó, que abastece Anápolis. Em uma área de vegetação normal, as águas das chuvas infiltram 40% e escoam 20%. Com o desmatamento e o comprometimento da vegetação natural, essa porcentagem se inverte: 40% das águas passam a escoar e apenas 20% infiltram no solo. Nas proximidades de Goiânia, o único manancial preservado por enquanto é a bacia do rio Caldas.

As fontes hídricas também não passaram no teste da Fundação SOS Mata Atlântica realizada no ano passado. A água do Rio Meia Ponte, por exemplo, foi considerada ruim e a do João Leite, aceitável. Em relação ao país, 70% dos cursos dágua que percorrem 12 estados brasileiros e o Distrito Federal foram definidos como regulares,  25% ruim e 5% foram considerados de péssimo nível.

Ainda em Goiás outro fator crítico para o fornecimento de água está na degradação do Cerrado. No Estado, só restam, aproximadamente, 23% de vegetação, que pode desparecer até 2030. Estimativas de perda da área do Cerrado brasileiro, feitas em 2004 pelo grupo Conservação Internacional Brasil, indicam que, caso as tendências de ocupação continuem, perdas de 2,2 milhões de hectares de áreas nativas tendem a ser registradas por ano. Destruição que atingirá também as  nascentes e áreas dos mananciais goianos.


O imprescindível 

João Leite

Um dos eixos principais para a segurança hídrica da região Metropolitana de Goiânia, o sistema barragem do João Leite está com a primeira etapa concluída. O ribeirão completou o enchimento total em janeiro este ano, com  129 milhões de metros cúbicos de água.  O procedimento tende a regularizar a vazão do manancial, fator importante para o controle da produção.

O próximo passo é a construção do sistema de distribuição que vai custar R$ 400 milhões. O pleno funcionamento do sistema Barragem do João Leite  e a implementação do sistema produtor – adutoras e Estação de Tratamento de Água (ETA) – devem  aumentar a capacidade de produção em média de dois metros cúbicos por segundo para quatro.

A expectativa é de que, após concluído, o sistema atenderá a demanda crescente até 2030. Já que estas obras vão elevar a capacidade nominal de dois metros cúbicos por segundo para quatro metros cúbicos por segundo. O que é imprescindível para atender o avanço populacional das cidades da região metropolitana, que vão pressionar um salto no consumo de água de 5,6 metros cúbicos por segundo, média calculada em 2005, para 7,4 nos próximos 15 anos.

Em 2015, quando a previsão é de que a população atinja a marca de 2,2 milhões de habitantes, haverá a necessidade de 6,8 metros cúbicos de água por segundo. Em 2025, a média populacional prevista é 2,4 milhões e um consumo médio de 7,4 metros cúbicos por segundo. Neste cenário, de acordo com a Agência Nacional das Águas (ANA), são necessários R$ 304,4 milhões em investimentos para o sistema de água e esgoto.

Atualmente, há apenas a previsão de R$ 241,6 milhões para obras em andamento e planejadas para o Sistema Integrado de Goiânia, que contempla a barragem do João Leite, e sistemas isolados em Nerópolis, Goianápolis, Hidrolândia e Senador Canedo. Além destes municípios e a Capital, o estudo analisou a situação de Abadia de Goiás, Aparecida de Goiânia, Aragoiânia, Goianira, Santo Antônio de Goiás,  Trindade e Anápolis. O levantamento nacional mostra que os recursos apontados, caso aplicados, devem garantir o abastecimento até 2025. Do contrário, o risco de desabastecimento é real.


Continua (O peso do desperdício).....

Fonte: Jornal Tribunal do Planalto

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