Estudo realizado no Brasil para levantar as condições de saneamento básico nos 81 maiores municípios brasileiros coloca Aparecida de Goiânia e Anápolis no ranking das dez cidades brasileiras com as maiores taxas e custos de internação por doenças associadas à falta desse tipo de serviço. Com base em dados do Sistema de Informações em Saúde do Ministério da Saúde, o estudo Esgotamento Sanitário Inadequado e Impactos na Saúde da População monta um cenário sombrio para a população desses municípios, que apresentam taxas elevadas para o registro de doenças facilmente evitáveis e que remontam ao século 19, como as diarréicas.
No caso de Anápolis, por exemplo, a taxa de internação por diarreia na cidade é três vezes superior à média dos demais municípios brasileiros aponta o estudo. Aparecida de Goiânia, onde apenas cerca de 15% da população tem acesso a rede coletora de esgoto sanitário, quase 85% dos custos decorrentes de internações por doenças associadas à falta de saneamento são gastos com casos de internações por diarreia. Números da unidade do Programa Saúde da Família do Setor Rosa dos Ventos, bairro da periferia do município, que não conta com nenhuma infraestrutura de saneamento, dão mostras do problema.
Lá, quase 70 crianças foram atendidas, só no mês de dezembro, com sintomas de diarreia. "Dessas, cinco crianças foram diagnosticadas com infecção intestinal grave e necessitaram de internação", observa a chefe do Programa de Saúde da Família (PSF) no bairro, enfermeira Sulamita Garcês Martins. Segundo a profissional de saúde, com a falta de saneamento, a higienização dos alimentos e dos imóveis fica comprometida, elevando os riscos de infecção e contaminação por bactérias. "Há casas em que não há sequer o filtro de barro para filtrar a água da cisterna. A água é consumida direto do poço. E nesse período, a enxurrada contamina essas águas ainda mais", alerta.
Ivone Carvalho dos Santos, de 37 anos, conhece bem essa realidade. Há cinco anos ela mora com a família no Setor Rosa dos Ventos, onde havia promessa de que asfalto, água e esgoto chegariam logo. "Só promessa, mesmo", lamenta ela, casada, mãe de quatro filhos e um neto. A dona de casa diz já ter perdido a conta de quantas vezes os filhos ficaram doentes no ano passado. "Estão sempre vomitando e com diarreia", ressalta ela. No quintal da casa, cisterna e fossa séptica estão a poucos metros de distância. "Quando enche (a fossa), é um Deus nos acuda. O mau cheiro é muito forte. Toma conta de tudo, escorre por todo canto", conta.
Quando ela se mudou com a família para o bairro, lembra, a esperança era de que no máximo no ano seguinte a rede de água e esgoto já estivesse atendendo sua casa. Promessa não cumprida, a família precisa, ainda, gastar o minguado salário para comprar água mineral para beber. "Só de imposto da casa, pagamos quase 200 reais no ano passado. É um absurdo pagarmos um imposto tão caro e não termos direito a nada, nem asfalto, nem água nem esgoto", lamenta a mulher.
Acostumada a não ter o básico - água encanada e esgoto coletado -, Ivone conta que no bairro em que morava antes de se mudar para o Rosa dos Ventos, a situação era exatamente a mesma. "Lá também não tínhamos direito a nada", lembra. Castigada pela vontade de oferecer um pouco mais de conforto e saúde para a família, Ivone diz sentir-se desrespeitada como cidadã. "Eu tenho muito medo pela saúde das crianças. Viver sem água e esgoto não é vida não. Até um soro caseiro, se preciso fazer, é difícil de preparar", conta.
Sem estrutura situação se agrava
Entre as doenças associadas à falta de saneamento, destacam-se diarreias, hepatite A, febres entéricas, esquistossomose, leptospirose, teníase, micoses, conjuntivites, entre outros agravos preveníveis. "É lamentável que ainda tenhamos situação tão desconfortável e números tão alarmantes de internação por diarreia, doença perfeitamente evitável", frisa o médico Roque Gomide, presidente da Sociedade Goiana de Pediatria. De acordo com o especialista, a imensa maioria dos casos de diarreia e desidratação em crianças atendidas na rede pública de saúde de Goiânia é provocada pela ausência de sistemas de saneamento urbano e de contaminação pela água.
O problema, ressalta o médico, facilita o aparecimento de parasitoses e contaminações por bactérias diversas. A criança que vive nestas condições, sem acesso a condições sanitárias básicas, acentua o pediatra, está mais sujeita a casos de desnutrição, o que facilita ainda mais o aparecimento de infecções graves.
Segundo Roque Gomide, esse o problema está relacionado com a falta de compromisso do poder público com a saúde da população. "Os governantes precisam ter em mente que investir em saneamento é investir em saúde. Gasta-se muito menos prevenindo do que com internações", aponta.
Famílias convivem com esgoto e falta dágua
Num casebre simples do Jardim Miramar, em Aparecida de Goiânia, mora o aposentado Francisco Firmino Santana, de 82 anos, que convive com a total falta de infraestrutura no bairro onde mora. A água ele tira do poço para cozinhar e dar conta das outras lidas da casa. A água de beber, ele compra. E esgoto e asfalto são "luxos" com os quais Miramar não conta.
"Estamos esquecidos e isolados aqui", lamenta. "Me sinto meio sufocado, às vezes. É muito triste viver assim." A falta de infraestrutura compromete a saúde e a segurança do idoso. Esteve doente recentemente, o que elevou os gastos com remédio. "Tenho muito cuidado com a água, porque já estou de idade", diz.
O bairro onde o aposentado Francisco mora é uma mostra da situação caótica quando o assunto é coleta e tratamento de esgoto no Estado. Os serviços são disponíveis a menos de 40% da população goiana, situação que pune os moradores das maiores cidades de Goiás e se agrava nas regiões metropolitanas de Goiânia e do Distrito Federal, onde o crescimento populacional ocorre de forma acelerada.
Os moradores do Setor Itamaraty, em Aparecida de Goiânia, integram essa estatística. Na casa do desemprego Agenor Francisco Correa, de 58 anos, moram 12 pessoas. Lá, como na imensa maioria dos bairros da cidade, não há rede de saneamento básico. "Vai demorar mais uma década, no mínimo, para ter a rede de saneamento estabelecida", reclama.
Em Aparecida de Goiânia, há setores altamente adensados, com mais de 30 anos de existência mas mesmo assim não contam com rede de água tratada, como é o caso do Bairro Cardoso 1 e Bairro Hilda. Laudos enviados pelo Ministério Público ao laboratório para análise constataram que 60% das águas de Aparecida de Goiânia é considerada imprópria para o consumo. Em dois anos, caiu de 17% para menos de 15% o porcentual da população do município atendido com coleta de esgoto sanitário, o que mostra piora do quadro nos últimos anos.
Marco regulatório
A Lei 11.445/2007 - tida como o marco regulatório das questões relacionadas a saneamento no Brasil e que inclui, além de água e esgoto para todos, definições e atribuições para execução dos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais - estabelecia 2010 como prazo final para que os municípios brasileiros elaborassem seus planos municipais de saneamento básico. Ganharam mais quatro anos por decisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Aparecida de Goiânia e Anápolis já elaboraram seus planos, que preveem a universalização do serviço em até seis anos.
Em Aparecida de Goiânia, a necessidade é de investimentos da ordem de R$ 785 milhões para a construção de 1,8 mil quilômetros de rede coletora, além da construção de interceptores e coletores tronco, ligações locais, construção e implantação de Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). Em Anápolis, o investimento necessário estimado é de R$ 333 milhões. O plano prevê a necessidade de construção de 717 quilômetros de rede coletora de esgoto, além de várias outras obras de infraestrutura.
Presidente-executivo do Instituto Trata Brasil, responsável pelo estudo sobre saneamento e os impactos na saúde da população, Edison Carlo ressalta que desde 2007 tenta-se mobilizar a sociedade para cobrar os direitos de contar com rede de saneamento básico. "Por duas décadas, esse assunto foi esquecido. Trata-se de obra enterrada, sem importância eleitoral", analisa. Desse modo, o setor permaneceu anos sem investimentos. Ele alerta que há recursos disponíveis e não utilizados pelos municípios para colocar em prática seus planos de saneamento, quase sempre muito ruins tecnicamente.
Cidades enfrentam problemas
Secretário de Desenvolvimento Urbano Sustentável de Anápolis, Clodoveu Reis Pereira vê cenário otimista para a cidade. Segundo ele, praticamente 100% da população conta com água tratada. Até o ano passado, afirma, a cidade tinha problemas com falta de abastecimento na época da estiagem. No papel, sustenta, a situação está resolvida com a vinda de R$ 100 milhões do Ministério das Cidades para saneamento. As obras começam depois das chuvas, aponta. De acordo com ele, 70% do esgoto gerado hoje na cidade é coletado e tratado. "A expectativa é universalizar os serviços num prazo de até dez anos."
Diretor da Vigilância Epidemiológica de Aparecida de Goiânia, Hélio Pinheiro de Andrade ressalta que as crianças do município são as que mais sofrem com a falta de saneamento na sua rua, no seu bairro, na sua casa. De acordo com ele, as gastroenterites, que têm relação direta com a falta de saneamento, são a principal causa de internação na rede de saúde de Aparecida entre crianças de 1 a 10 anos. "São necessários investimentos em infraestrutura de saneamento para evitar que essas crianças cheguem a precisar de atendimento e internação", afirma.
Fonte: Jornal O Popular
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