Núbia Lobo
Prometendo uma "revolução" na administração do Estado, o governador eleito Marconi Perillo (PSDB) já tem um escopo do que pretende fazer para transformar os diversos órgãos do governo em prestadores de serviço de excelência à sociedade goiana. No centro do planejamento de ações para o próximo ano estão os contratos de gestão - ou acordos de resultados - cujos principais exemplos em Goiás, atualmente, são os firmados com Organizações Sociais (OS) que administram o Centro de Reabilitação Henrique Santillo (Crer) e o Hospital de Urgências de Anápolis (Huana).
Os contratos de gestão são parte de um modelo administrativo nascido no final da década de 90, no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que depois se estendeu a Estados e municípios. Criado para diminuir o peso da máquina estatal e dar mais eficiência aos serviços prestados, o contrato de gestão é firmado com entidades privadas que passam a ser responsáveis por uma determinada atividade pública, com metas e indicadores a serem cumpridos, recebendo recursos do governo. E à administração pública cabem o repasse de recursos, o acompanhamento e a fiscalização dos serviços.
Giuseppe Vecci, responsável pelo plano de governo apresentado na campanha eleitoral do PSDB e agora coordenador da equipe técnica que vai planejar ações da próxima gestão, afirma que Marconi vai ampliar o uso dos contratos de gestão para todos os âmbitos da administração estadual.
Os contratos serão adotados internamente, com todas as secretarias e demais órgãos da máquina estatal; com as entidades não governamentais que prestam serviços para o governo - caso das Organizações Sociais, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) e Organizações Não Governamentais (ONG) - e ainda nas Parcerias Público-Privadas (PPP) e concessões de governo .
As organizações sociais em Goiás são criadas segundo as regras da lei estadual aprovada em 2005, que prevê a ausência de fins lucrativos e presença de servidores do Estado no seu conselho de administração. O critério para escolher a OS que vai gerir alguma unidade do Estado não está especificado.
A promessa de "revolução" na administração de Goiás está sendo traçada pelo Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), consultoria mineira responsável pela reforma administrativa implementada pelo então governador de Minas Gerais, Aécio Neves (MG), e também por outros governos estaduais que ganharam destaque pela eficiência alcançada. No que se refere aos acordos internos, entre governadoria e demais pastas da gestão estadual, o governo estabelece metas para seu secretariado nas mais diversas áreas, oferece bônus para servidores caso essas metas sejam alcançadas e cobra resultados a cada três meses.
Os questionamentos contrários ao contrato de gestão mais contundentes estão no âmbito privado, quando o acordo é firmado com uma OS, Oscip ou ONG. Isso porque essas entidades não estão sujeitas por lei às mesmas regras de um órgão público - podem contratar sem concurso público e comprar sem licitação, por exemplo.
Além disso, na prática, as organizações sociais não sofrem o controle que, em tese, deveria ser aplicado. Consequentemente, não há transparência no gasto do recurso público. O Ministério Público de Goiás é um dos críticos desse modelo de gestão. "A execução de determinados serviços pode ser terceirizada, mas a gestão tem de ser pública. Não temos conhecimento de que o Estado esteja fiscalizando esses contratos. Não estão dando publicidade às metas estabelecidas. Falta transparência", afirma o promotor Marcelo Celestino.
Especialistas alertam para fragilidades
Especialistas consultados pelo POPULAR destacam a importância de discutir melhor o modelo de gestão baseado em acordo de resultados com entidades privadas. O promotor Marcelo Celestino, coordenador do Centro de Apoio Operacional do Cidadão no Ministério Público, diz que a necessidade de mudança na prestação de serviços do governo é indiscutível, mas que a terceirização dos contratos deve gerar insegurança. Ele destaca que o Ministério Público "ainda não questionou os contratos do Crer e do Huana porque está envolvido com a precariedade do sistema como um todo".
Professor de Finanças Públicas da Universidade de Brasília (UnB), José Matias Pereira diz que há aspectos positivos e negativos nos contratos de gestão, e também destaca a necessidade de aperfeiçoar o modelo de gestão. "Necessariamente, o modelo precisa ter ajustes e um controle da sociedade cada vez mais intenso", alerta.
Eficiência depende de regras claras
País tem experiências positivas e negativas no uso de organizações sociais, que devem ter, afirmam especialistas, controle rígido
As experiências de contrato de gestão espalhadas pelo País, quase sempre na área da Saúde, mostram que o modelo de Organizações Sociais (OS) pode dar certo, desde que o acordo tenha regras bem estabelecidas e controle efetivo do governo e da sociedade. Caso contrário, o serviço repassado a organização social pode se transformar no caos e o dinheiro público, se perder na falta de atendimento e de regras que evitem a corrupção.
Cerca de 60% da rede pública de saúde de São Paulo está nas mãos de Organizações Sociais - caso do Hospital Albert Einstein, por exemplo. Já em Brasília, a experiência com o Hospital Santa Maria fracassou e a mídia dá notícia de desvio de recursos e falta de controle do governo do Distrito Federal sobre as atividades realizadas na unidade. O Estado do Rio de Janeiro também vem encontrando dificuldades em contratos de gestão na área da Saúde.
Especialista em Gestão Pública e professor de Finanças Públicas na Universidade de Brasília (UnB), José Pereira Matias destaca que o sucesso dos contratos de gestão com entidades privadas está diretamente ligado a um "processo cada vez mais refinado na qualidade da contratação, na forma como esses contratos são elaborados, o tipo de liberdade que é dada à organização social, o tipo de exigência que é feita pela administração pública, estar presente e acompanhar de perto a gestão dessas organizações".
Embora favorável à discussão e aperfeiçoamento do modelo, Matias chama a atenção para uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), proposta pelo PT e pelo PDT, no final da década passada, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), que pede a proibição da administração pública de realizar esses contratos de gestão com entidades privadas.
"Por trás dessa inconstitucionalidade questionada está a liberdade dada às Organizações Sociais para contratar e comprar. Mas se você submeter a OS aos mesmos princípios da administração pública, não haveria a necessidade dela", pondera Matias.
"Não sendo inconstitucional, o caminho é buscar um processo de aperfeiçoamento. Porque a administração pública chegou a um limite em determinadas áreas, onde está impossibilitada de responder às crescentes demandas", complementa o professor.
Direção do Crer se recusa a fornecer dados
Apontada por especialistas como grave problema dos contratos de gestão, a falta de transparência das atividades públicas realizadas pelas Organizações Sociais (OS) pôde ser observada pela reportagem do POPULAR. Sérgio Daher, administrador da Agir - organização social que administra o Crer - se recusou a informar os repasses mensais de recursos feitos pelo Estado para a entidade, argumentando que realiza operações complexas e dispendiosas. Já o Hospital de Urgência de Anápolis (Huana) oferece os dados.
Na Secretaria Estadual de Saúde (SES), o repasse de recursos foi informado, mas a reportagem não conseguiu qualquer detalhe sobre a fiscalização que o órgão garante fazer nas atividades, metas e prestação de contas.
Contactada na quarta-feira, a assessoria de imprensa da SES informou, no início da noite de sexta, não ter entendido que a solicitação de dados sobre os contratos de gestão requeria tantos detalhes. O entrevistado apontado pela SES também não tinha dados sobre fiscalização dos serviços.
As metas que precisam ser cumpridas por esses hospitais e a prestação de contas do gasto do dinheiro público não estão na internet. A assessoria de imprensa da SES disse ainda que não tem acesso aos dados, mas que qualquer cidadão pode ir até a Secretaria e pedir para ver os contratos e os balanços das prestações de conta.
O acompanhamento e o controle da gestão das organizações sociais são alguns dos aspectos que poderiam tirar desses contratos o caráter de privatização. Especialistas em gestão pública ouvidos pela reportagem veem nos contratos de gestão uma "terceirização peculiar".
Na opinião de José Cláudio Romero, coordenador executivo do Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Humano (Idetech), organização social responsável pelo Teleconsulta da Prefeitura de Goiânia e pelo Ambulatório de Especialidades Médicas (AME) da Prefeitura de Aparecida de Goiânia, não se pode falar em terceirização de serviços já que, segundo ele, no contrato de gestão os recursos nascem, vivem e morrem públicos.
Jornal O Popular – 22/11/2010