Erica Lettry
Relatório divulgado ontem pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo (USP) revelou que a principal causa do endividamento da Celg nos últimos 25 anos foi a descapitalização da empresa – ou seja, perda de patrimônio. A descapitalização tem, segundo a auditoria, seis causas básicas. Entre elas estão a dificuldade na redução de despesas, compra de energia por preço acima do mercado e taxas de juros elevadas.
A perda do patrimônio ocorreu ainda, segundo a Fipe, em função da prestação de serviços a preços subsidiados, do não ajuste das tarifas de energia (resultado da inadimplência junto à Eletrobrás) e da entrega de patrimônio sem entrada de recursos no caixa da Celg. De acordo com o relatório, a Celg ao longo destes 25 anos não esteve entre as prioridades de seu acionista majoritário – o Estado.
O estudo da Fipe constatou que a Celg teve prejuízo em 16 dos 25 anos analisados. Os lucros foram obtidos nos anos de 1984 a 1987, 1994, 1997 e de 2003 a 2005. Pela análise dos técnicos, ao longo dos anos, ao invés de gerar renda para pagar o acumulado, a Celg enfrentou prejuízo.
As soluções indicadas para manter a Celg viva seria um aporte de recursos, a geração de lucros para reduzir a dívida ou mesmo o alongamento da desta. Uma outra solução seria a venda de ações.
DívidaO estudo foi entregue ontem à CPI da Celg e abrangeu o período de 1984 e 2008. A Fipe considerou que a dívida da empresa hoje é de R$ 4,1 bilhões e não os R$ 5,7 bilhões divulgados pela própria empresa. Isso ocorre porque, ao contrário da Celg, a Fipe não leva em consideração os valores que podem ser subtraídos com perdas de ações que correm na Justiça.
“Os lucros obtidos geralmente são frutos de fatores externos, como variação cambial, e não um esforço para a recuperação”, ressaltou a coordenadora do estudo, Ana Paula Paulino durante a exposição para a CPI da Celg. A soma dos lucros anuais é de R$ 1 bilhão, enquanto os prejuízos são de R$ 3,1 bilhões. A comparação mostra que resultado negativo de R$ 2,1 bilhões, o que representa a metade do valor da dívida da Celg em 2008.
Em relação à perda patrimonial, os dados demonstram que ela começou a ser gerada em 1989, quando houve a transferência dos ativos referentes à área de concessão que era da Celg e passou a ser de Tocantins. Por alguma razão que não foi possível à Fipe identificar, o valor dos ativos que em 1989 eram de R$ 2,47 milhões passaram para R$ 378,8 milhões em 1991. Em cálculos atuais, a perda representada por esta transferência totaliza hoje R$ 1,5 bilhão. Parte deste valor – que não foi especificado – foi ressarcido ao Estado, mas a empresa ainda tem dinheiro a receber.
Pelo estudo da Fipe, o salto na perda patrimonial ocorreu em 1996, quando houve a venda da Usina de Cachoeira Dourada. Nesta época o governador do Estado era o atual prefeito de Aparecida de Goiânia, Maguito Vilela (PMDB). O dinheiro da venda da usina não teria voltado para a Celg, mas sim sido utilizado para repor o caixa do Estado. Além desse patrimônio que saiu da Celg, o contrato da venda previa a compra da energia gerada em Cachoeira Dourada, por um valor 53% mais caro do que de outros fornecedores. Este dado foi extraído pela Fipe da CPI de Cachoeira Dourada.
O relatório considerou que um dos problemas da empresa foi que as gestões que seguiram à venda da usina – Maguito Vilela e Marconi Perillo (PSDB) – não adequaram a Celg para ser uma compradora de energia ao invés de geradora, ou seja, ela não modificou seu modo de operar.
O relatório salienta que a Celg teve de enfrentar as instabilidades do mercado nesses 25 anos, mas não adotou uma estratégia de longo prazo para isso. Nem mesmo depois de operar mudanças significativas, como foi a venda da usina. Dentro deste critério destacou-se que até 1997 a Celg era constituída por duas empresas: uma que gerava energia e outra que a distribuía. De 1998 em diante, ela passa apenas a comprar energia. Com isso, era de se esperar que as despesas fossem reduzidas, mas elas cresceram no caso dos serviços terceirizados.
ServiçosEntre 1998 e 2004 essa tendência crescente na utilização dos serviços foi reduzida, mas nos anos de 2005 até 2007 elas são superiores 50% ao que prevalecia no primeiro período. Elas também foram reduzidas entre 2006 e 2008, mas neste último ano – já com Alcides Rodrigues no governo – ela está no nível do pico de 1998 a 2004. “Assim, a elevação das despesas com serviços de terceiros compensa a redução nas despesas com material e pessoal”, diz o relatório.
Outra perda importante de patrimônio foi causada por incentivos do governo federal assumidos pela Celg. Em 1970, a Eletronorte, Furnas e o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (Dnaee) assinaram um protocolo concedendo à Empresa de Desenvolvimento de Recursos Minerais (Codemin), instalada em Niquelândia, subsídios no fornecimento de energia elétrica para que se instalasse em Goiás.
Em 1980, com redefinição de áreas de concessão, a Codemin passou a fazer parte da área da Celg. A União ressarciu a Celg em 1980 e 1992, descontando o valor do subsídio das reservas obrigatórias devidas. Mas em 1993, a Celg deixou de ser ressarcida e assumiu esse desconto até 2003, quando entrou com uma ação contra a União para ressarcimento e conseguiu a suspensão dos subsídios. O impacto disso nas contas da Celg foi de R$ 1,5 bilhão. O valor, conforme o relatório, representa 26% da dívida.
Segundo a Fipe, “pode-se dizer que os atuais R$ 4,1 bilhões de dívida começaram a ser gerados com os prejuízos desde 1988, aumentados em 91 (Tocantins), em 93 (Codemin), em 94 (governo do Estado), em 96 (Cachoeira) e agravados após 2000 com a continuidade da ausência de medidas que solucionassem o problema”
Empréstimo de curto prazo é risco
Na interpretação dos técnicos, um dos maiores problemas da Celg é recorrer a empréstimos a curto prazo para pagar ativos a longo prazo. “Quanto mais a empresa recorre a recursos onerosos de curto prazo para financiar os ativos de longo prazo, maior será o risco de insolvência da empresa”, diz o relatório.
Essa estrutura de financiamento da Celg é apontada como muito ruim em praticamente todos os anos – à exceção de 1999 e 2000, quando foi insatisfatória. Em 1999 houve renegociação de dívidas com prefeituras e o governo estadual que transferiram créditos que estavam no longo prazo para o curto. O Estado também pagou parte de suas dívidas com a Celg, fazendo um aporte que hoje corresponderia a R$ 850 milhões.
Também foi detectado que a Celg tem privilegiado ao longo destes 25 anos o pagamento de bancos ao invés de empresas do ramo elétrico, como a Eletrobrás, o que dificulta ainda mais sua situação financeira. Isso porque a inadimplência junto a Eletrobrás já impõe um prejuízo alto à Celg, não calculado pela Fipe, por causa do não-reajuste da tarifa de energia desde 2006 e o não-repasse de verbas de programas como Luz para Todos e Baixa Renda.
Conforme os dados, a Celg pegou empréstimos de R$ 4,8 bilhões junto a bancos e hoje deve R$ 1,3 bilhão. Parte dessa amortização da dívida foi decorrente de atrasos no pagamento junto à Eletrobrás e outros fornecedores, totalizando R$ 2,6 bilhões. “A amortização do R$ 0,9 bilhão restante foi possível por aportes e/ou atrasos de outras despesas que não conseguimos identificar”, diz o relatório.
Dificuldade de manutenção teria gerado queda
Adriano Marquez Leite
O pararraio que falhou no início da tarde de quarta-feira e provocou o corte no fornecimento de eletricidade de 371 mil pontos de consumo no Estado, operava na subestação Xavantes (região Norte de Goiânia) há cerca de 30 anos, informou a Companhia Energética de Goiás (Celg). Contudo, não é o tempo de uso e sim a dificuldade de realizar manutenções mais detalhadas nesse tipo de aparelho é que não foi capaz de impedir o problema, alegou a empresa.
Se depender dos empecilhos para manutenção dos pararraios e da quantidade de descargas atmosféricas que caem na região do Estado, blecautes como o de quarta-feira podem se repetir inúmeras vezes. Isso porque, segundo o presidente da Celg Carlos Silva, o território goiano concentra grande quantidade de raios durante o período chuvoso. “Goiás é a região que tem a maior incidência de descargas elétricas em todo o mundo”, afirmou Carlos.
O relatório requerido ontem pela Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos (AGR) à Celg para explicar o porquê da ocorrência do blecaute deverá ser entregue em, no máximo, 10 dias. No entanto, além da agência goiana, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) também receberá o documento e fará investigação independente do problema, uma vez que a subestação atingida fazia parte da rede básica de transmissão, cuja fiscalização fica a cargo do órgão federal, explicou o gerente de energia da AGR, Jorge Pereira da Silva.
De acordo com o engenheiro eletricista da Celg Augusto Francisco da Silva, são realizadas inspeções a cada três meses nos pararraios que protegem o sistema elétrico – em todo o Estado, são pelo menos 300 mil equipamentos de diferentes capacidades para absorver impactos de descargas atmosféricas.
A dificuldade de fazer diagnósticos precisos sobre possíveis defeitos nos pararraios ocorre por causa da impossibilidade de simular fielmente as condições de operação dos aparelhos, já que as descargas atmosféricas chegam a tensões de até 500 milhões de volts. Com isso, defeitos podem não aparecer e o problema pode voltar a ocorrer.
Os reflexos do apagão foram sentidos em nove cidades porque a Xavantes é a maior subestação do Estado, responsável por 15% da energia. Se o problema tivesse ocorrido em subestação de menor porte, diz Augusto, é possível que não tivesse havido cortes.
Fonte: Jornal O Popular